Os dois negrinhos saíram de casa. Olharam para os lados na esperança de não serem vistos pela mãe. Queriam os chocolates que a venda nova exibia na vitrine.
No momento seguinte sentiram um tabefe na cabeça.
— O que estão fazendo, moleques? Já pra casa!
Era Cleo, mulata bonita, a mãe deles. Ajeitando a saia vermelha e rodada em torno do corpo bem torneado, se preparava para mais uma sessão-de-terreiro — coisa comum naquela região e na sexta-feira, dia de Exu. Na cabeça, um turbante enfatizava-lhe a altivez natural e necessária. Afinal, era difícil criar, sozinha, dois filhos machos: tinha que se impor.
Bento e Chico olharam, arregalando os olhos redondos e assustados, a mãe furiosa: ela percebera a presença do homem louro e muito branco.
— Podem despachar o gringo aí! Cês tão que nem mendigo, pedindo dinheiro!
O homem riu. Sempre achava graça por ser confundido com estrangeiros. Mas era brasileiro. Do sul. Porém, ali, num vilarejo da Bahia, sempre o tratavam por gringo. Problema da pele muito clara e dos olhos azuis.
— Só estava fazendo negócio com os meninos. Ia dar dez reais para eles comprarem chocolate. Em troca, eles me deixariam tirar foto da sua casa — esclareceu, apontando, com interesse, para a pintura na parede. Afinal, ele apreciava arte primitiva e aquela era surpreendente: as cores fortes, a riqueza de detalhes, a intensa sensualidade das formas o encantavam.
— Essa sereia? Foi obra do traste do falecido. Mas fica aí porque enfeita a casa.
— E ela se parece com você. É muito bonita também — falou, mirando com olho comprido a mulata à sua frente. “É bonitona a danada. E sozinha”, avaliou cheio de intenções.
Os negrinhos coçaram a cabeça ao mesmo tempo. Eram gêmeos idênticos, e até seus sentimentos eram iguais. Tinham doze anos e já sabiam das coisas; por isso ficaram muito desconfiados com a risada da mãe, olhando para o gringo, convidando-o a entrar. E, mais ainda, por ela ter dito que Valdo, o namorado, tinha morrido. “Coisa de puta” decretaram enquanto seguiam os dois pela porta da casa.
Na pequena sala cor-de-rosa o sofá de chita estampada fazia par com um São Jorge devidamente colocado na prateleira da parede. Ao lado, uma luzinha vermelha iluminava o santo, em homenagem. Do outro lado, uma geladeira encardida pela ferrugem e uma pequena mesa com quatro cadeiras completavam o mobiliário.
Bento falou primeiro, estendendo a mão para pegar o dinheiro:
— Vou comprar o chocolate, moço. Pode ir tirar retrato da sereia. A gente deixa. Eu mais o Chico.
— Mas não vão ficar contando caso pro Valdomiro, na esquina. Não quero ele aqui, viram? Chega de negão sem graça na minha vida! — exclamou a mãe, com cara de zanga, mas sentindo-se arder com a proximidade do gringo de pele muito branca e olhos incrivelmente azuis que a fitavam numa promessa indecente.
O homem mal esperou que os meninos saíssem para cumprir o que prometera com o olhar. Num gesto brusco e sussurrando palavras obscenas arrancou-lhe a saia, expondo-lhe a nudez pródiga. Arfando, inclinou-a pra frente, arregaçou as carnes redondas e a invadiu de uma só vez, fazendo com que ela, gritando de dor e prazer, e rebolando como se estivesse com o diabo no corpo, tentasse se firmar na prateleira onde São Jorge estava, enquanto o homem a estocava com fúria.
Em vão. Cléo caiu pregada ao homem, espumando de gozo, o santo por cima, enquanto ambos emitiam sons roucos e selvagens. No mesmo instante Valdomiro abriu a porta, seguido pelos negrinhos. Capoeirista, enciumado e cheio de ódio, rodopiou a perna direita no ar e depois desceu o pé, acertando a garganta do gringo. Os meninos riram, revirando os olhos maliciosos e faiscantes, enquanto observavam o homem inerte no chão. Sobre ele, São Jorge, inteiro, parecia tomar conta para que não mais se levantasse.
Tarde da noite, em silêncio, os três jogaram o corpo no mar. E amarraram Cleo num coqueiro repleto de formigas para que aprendesse a lição: não devia ter inventado que o namorado estava morto, ainda mais para se agarrar, daquele jeito, com um gringo tarado. Aquilo era coisa de puta...